quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O Homem; As Viagens

O Homem; As Viagens

                         Carlos Drummond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a Lua
Desce cauteloso na Lua
Pisa na Lua
Planta bandeirola na Lua
Experimenta a Lua
Coloniza a Lua
Civiliza a Lua
Humaniza a Lua.



Lua humanizada: tão igual à Terra
O homem chateia-se na Lua
Vamos para Marte - ordena a suas máquinas
Elas obedecem, o homem desce em Marte
Pisa em Marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza Marte com engenho e arte.



Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto - É isto?
Idem
Idem
Idem


O homem funde a cuca se não Júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repertório.


Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra - a terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
Espanhol domado.


Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.

Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo
Por o pé no chão
do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de conviver.

A mentirosa liberdade - Lya Luft

"Liberdade não vem de correr atrás de 'deveres' impostos de fora, mas de construir a nossa existência"

Comecei a escrever um novo livro, sobre os mitos e mentiras que nossa cultura expõe em prateleiras enfeitadas, para que a gente enfie esse material na cabeça e, pior, na alma – como se fosse algodão-doce colorido. Com ele chegam os medos que tudo isso nos inspira: medo de não estar bem enquadrados, medo de não ser valorizados pela turma, medo de não ser suficientemente ricos, magros, musculosos, de não participar da melhor balada, do clube mais chique, de não ter feito a viagem certa nem possuir a tecnologia de ponta no celular. Medo de não ser livres.

Na verdade, estamos presos numa rede de falsas liberdades. Nunca se falou tanto em liberdade, e poucas vezes fomos tão pressionados por exigências absurdas, que constituem o que chamo a síndrome do "ter de". Fala-se em liberdade de escolha, mas somos conduzidos pela propaganda como gado para o matadouro, e as opções são tantas que não conseguimos escolher com calma. Medicados como somos (a pressão, a gordura, a fadiga, a insônia, o sono, a depressão e a euforia, a solidão e o medo tratados a remédio), cedo recorremos a expedientes, porque nossa libido, quimicamente cerceada, falha, e a alegria, de tanta tensão, nos escapa.

Preenchem-se fendas e falhas, manchas se removem, suspendem-se prazeres como sendo risco e extravagância, e nos ligamos no espelho: alguém por aí é mais eficiente, moderno, valorizado e belo que eu? Alguém mora num condomínio melhor que o meu? Em fileira ao longo das paredes temos de parecer todos iguais nessa dança de enganos. Sobretudo, sempre jovens. Nunca se pôde viver tanto tempo e com tão boa qualidade, mas no atual endeusamento da juventude, como se só jovens merecessem amor, vitórias e sucesso, carregamos mais um ônus pesadíssimo e cruel: temos de enganar o tempo, temos de aparentar 15 anos se temos 30, 40 anos se temos 60, e 50 se temos 80 anos de idade. A deusa juventude traz vantagens, mas eu não a quereria para sempre: talvez nela sejamos mais bonitos, quem sabe mais cheios de planos e possibilidades, mas sabemos discernir as coisas que divisamos, podemos optar com a mínima segurança, conseguimos olhar, analisar e curtir – ou nos falta o que vem depois: maturidade?

Parece que do começo ao fim passamos a vida sendo cobrados: O que você vai ser? O que vai estudar? Como? Fracassou em mais um vestibular? Já transou? Nunca transou? Treze anos e ainda não ficou? E ainda não bebeu? Nem experimentou uma maconhazinha sequer? E um Viagra para melhorar ainda mais? Ainda agüenta os chatos dos pais? Saiba que eles o controlam sob o pretexto de que o amam. Sai dessa! Já precisa trabalhar? Que chatice! E depois: Quarenta anos ganhando tão pouco e trabalhando tanto? E não tem aquele carro? Nunca esteve naquele resort?

Talvez a gente possa escapar dessas cobranças sendo mais natural, cumprindo deveres reais, curtindo a vida sem se atordoar. Nadar contra toda essa louca correnteza. Ter opiniões próprias, amadurecer, ajuda. Combater a ânsia por coisas que nem queremos, ignorar ofertas no fundo desinteressantes, como roupas ridículas e viagens sem graça, isso ajuda. Descobrir o que queremos e podemos é um bom aprendizado, mas leva algum tempo: não é preciso escalar o Himalaia social nem ser uma linda mulher nem um homem poderoso. É possível estar contente e ter projetos bem depois dos 40 anos, sem um iate, físico perfeito e grande fortuna. Sem cumprir tantas obrigações fúteis e inúteis, como nos ordenam os mitos e mentiras de uma sociedade insegura, desorientada, em crise. Liberdade não vem de correr atrás de "deveres" impostos de fora, mas de construir a nossa existência, para a qual, com todo esse esforço e desgaste, sobra tão pouco tempo. Não temos de correr angustiados atrás de modelos que nada têm a ver conosco, máscaras, ilusões e melancolia para aguentar a vida, sem liberdade para descobrir o que a gente gostaria mesmo de ter feito.

Sentar-se à janela

SENTAR-SE À JANELA
Alexandre Garcia
Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião. A ansiedade
de voar era enorme. Eu queria me sentar ao lado da janela de qualquer
jeito, acompanhar o vôo desde o primeiro momento e sentir o avião
correndo na pista cada vez mais rápido até a decolagem.
Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião rompendo as nuvens,
chegando ao céu azul. Tudo era novidade e fantasia. Cresci, me formei,
e comecei a trabalhar. No meu trabalho, desde o início, voar era uma
necessidade constante.
As reuniões em outras cidades e a correria me obrigavam, às vezes, a
estar em dois lugares num mesmo dia. No início pedia sempre poltronas
ao lado da janela, e, ainda com olhos de menino, fitava as nuvens,
curtia a viagem, e nem me incomodava de esperar um pouco mais para
sair do avião, pegar a bagagem, coisa e tal. O tempo foi passando, a
correria aumentando, e já não fazia questão de me sentar à janela, nem
mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades abaixo, o mar ou qualquer
paisagem que fosse. Perdi o encanto. Pensava somente em chegar e sair,
me acomodar rápido e sair rápido.
As poltronas do corredor agora eram exigência . Mais fáceis para sair
sem ter que esperar ninguém, sempre e sempre preocupado com a hora,
com o compromisso, com tudo, menos com a viagem, com a paisagem,
comigo mesmo.
Por um desses maravilhosos 'acasos' do destino, estava eu louco para
voltar de São Paulo numa tarde chuvosa, precisando chegar em Curitiba
o mais rápido possível.
O vôo estava lotado e o único lugar disponível era uma janela, na
última poltrona. Sem pensar concordei de imediato, peguei meu bilhete
e fui para o embarque.
Embarquei no avião, me acomodei na poltrona indicada: a janela. Janela
que há muito eu não via, ou melhor, pela qual já não me preocupava em
olhar.
E, num rompante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez
que voara. Senti novamente e estranhamente aquela ansiedade, aquele
frio na barriga. Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até que,
tendo passado pela chuva, apareceu o céu.
Era de um azul tão lindo como jamais tinha visto. E também o sol, que
brilhava como se tivesse acabado de nascer.
Naquele instante, em que voltei a ser criança, percebi que estava
deixando de viver um pouco a cada viagem em que desprezava aquela
vista.
Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha
vida eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por
exemplo, olhar pela janela das minhas amizades, do meu casamento, do
meu trabalho e convívio pessoal? Creio que aos poucos, e mesmo sem
perceber, deixamos de olhar pela janela da nossa vida.
A vida também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela, perdemos
o que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias,
tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.
Se viajarmos somente na poltrona do corredor, com pressa de chegar,
sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de apreciar as belezas que
a viagem nos oferece.
Se você também está num ritmo acelerado, pedindo sempre poltronas do
corredor, para embarcar e desembarcar rápido e 'ganhar tempo', pare um
pouco e reflita sobre aonde você quer chegar.
A aeronave da nossa existência voa célere e a duração da viagem não é
anunciada pelo comandante. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta.
Por essa razão, vale a pena sentar próximo da janela para não perder
nenhum detalhe.
Afinal, 'a vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos'.

SOMOS MAIS RICOS QUE OS AMERICANOS

SOMOS MAIS RICOS QUE OS AMERICANOS

Alexandre Garcia

Um amigo acaba de me mandar o resultado de uma comparação entre nós e os americanos.

Uma discussão em que um ianque prova, pela ciência exata da Matemática, que os brasileiros são mais ricos do que os americanos.

Ele começa argumentando que pagamos o dobro que os americanos pela água que consumimos. Embora tenhamos mais água doce disponível.

Depois, demonstra que nós pagamos 60% a mais nas tarifas de telefone e eletricidade. Além disso, os brasileiros pagam o dobro pela gasolina de má qualidade consumida por seus carros.

Por falar em carro, argumenta o americano, nós pagamos US$ 40 mil por um carro que nos Estados Unidos custa 20 mil, porque damos de presente US$20 mil para o nosso governo gastar não se sabe onde, já que os serviços públicos no Brasil são um lixo perto dos serviços prestados pelo setor público nos Estados Unidos.

Um morador da Flórida mostra que, como lá são considerados pobres. o governo estadual cobra apenas 2% de imposto sobre o valor agregado (equivalente ao ICMS no Brasil), e mais 4% de imposto federal, o que dá um total de 6%.

No Brasil, somos ricos, porque concordamos em pagar 18% (dezoito por cento!) só de ICMS, alega o americano.

O americano diz não entender como somos tão ricos a ponto de não nos importarmos em pagar, além disso, PIS, Cofins, Cosdiabos, CPMF, ISS, INSS, IPTU, IPVA, IR e outras dezenas de impostos, taxas e contribuições, em geral com efeito cascata, de imposto sobre imposto, e ainda fazemos festa nos estádios de futebol e nas grandes passarelas de carnaval.

Sinal de que nem nos incomodamos com esse confisco maligno de mais de três em cada dez dias do nosso suado trabalho.

O americano lembra que, em relação ao Brasil, eles são pobres, tanto que são isentos do imposto de renda se ganham menos de 3 mil dólares por mês (o equivalente a R$ 7.500,00 mensais).

No Brasil, diz ele, os assalariados devem viver muito bem, porque pagam muito imposto de renda, desde quem ganha salários em torno de mil reais.

Além disso, com o desconto na fonte, ainda antecipam imposto para o governo, sem saber se vão ter renda até o final do ano.

Essa certeza nos bons resultados futuros torna o Brasil um país insuperável, conclui o ianque.

Voltando aos serviços públicos, os Brasileiros são tão ricos que pagam sua própria segurança; nos Estados Unidos, os pobres cidadãos dependem da segurança pública.

No Brasil, os pais pagam a escola e os livros dos seus filhos porque, afinal, devem nadar em dinheiro.

Nos Estados Unidos, os pais americanos não têm toda essa fortuna e mandam seus filhos para as escolas públicas, onde os livros são emprestados aos alunos.

Os ricaços brasileiros, quando tomam no banco um empréstimo pessoal, pagam por mês o que os pobres americanos pagam de juro por ano.

Eu contei ao americano que acabei de pagar R$ 2.500,00 pelo seguro de meu carro e ele confirmou sua tese: vocês são ricos! Nós não podemos pagar tudo isso por um simples seguro de automóvel. Por meu carro grande, eu pago US$ 345.00 por ano nos Estados Unidos.

E acrescentou: mais US$ 15.00 de licenciamento anual. Em contrapartida, o último IPVA que paguei no Brasil não saiu por menos de R$ 1.700,00. Aí o ianque pergunta: Afinal, quem é rico e quem é pobre?

Aí no Brasil, 20% da população economicamente ativa não trabalha. Aqui, não podemos nos dar ao luxo de sustentar além dos 4% que estão desempregados.

Não é mais rico quem pode sustentar mais gente que não trabalha? Caro leitor: estou sem argumentos para contestar o ianque. Afinal, a moda nacional brasileira é a aparência.

Cada vez mais vamos nos convencendo de que não é preciso ser, basta parecer ser. E, afinal, gastando muito, a gente aparenta ser rico. E somos infelizes e pobres sem saber.